Comentário sobre a notícia:
"Ao ler o texto 'Os fora-da-lei fizeram justiça', do escritor Augusto Nunes, lembrei de uma pessoa que há muito anos atrás perambulava pelas areias de Copacabana. Ele só falava uma frase completa: 'Fora da loucura não há salvação'. Esse pensamento nunca saiu da minha cabeça. Sem dúvida nenhuma isto aqui é um país feito para loucos. Quem não é, não se salva. A terrível história vivida por Renato Correia de Brito, Wagner Conceição da Silva e William de Brito Silva é uma prova dolorosa que nõs vivemos numa terra onde a loucura não tem limites. Condenados pela 'justiça legal' a permanecerem na prisão, foram absolvidos pela 'justiça ilegal', composta por presidiários do PCC, em São Paulo. Não foram mortos pelo crime de estupro, mas ficaram dois anos presos pelo crime que não cometeram. Lembro do habeas corpus legal com que o STF premiou o banqueiro ilegal Daniel Dantas, e todos os outros marginais de colarinho branco. A injustiça aqui no Brasil é uma loucura normal que afronta toda uma sociedade que vive equilibrada na aresta veritiginosa da loucura. O escritor e filósofo francês, Albert Camus, dizia que a vida não tinha sentido, logo, o mundo era absurdo. Para poder continuar vivendo ele descobriu que a vida seria muito melhor vivida se não tivesse sentido nenhum. Camus morreu em 1960, e tinha uma idéia fixa: ressuscitar no Brasil."WILSON GORDON PARKER
wgparker@oi.com.br
Nova Friburgo (RJ)
FOTO:ENQUANTO TODO ESSE ABSURDO ACONTECE, O COLARINHO BRANCO PIMENTA NEVES, ASSASSINO CONFESSO DA JORNALISTA SANDRA GOMIDE, CONDENADO A 19 ANOS DE PRISÃO, CONTINUA LIVRE, LONGE DA CADEIA, GRAÇAS A NOSSA "INJUSTIÇA".JUSBRASIL
Âmbito Jurídico - 03 de Setembro de 2008
Assassino em série confessa crime que deixou três inocentes presos por dois anos ...[LEIA MAIS ...]PORTAL G1
03/09/08
Homens que dizem ter confessado crime sob tortura deixam prisão. Três homens estão presos desde 2006 pela morte de uma jovem. Eles foram libertados por volta das 15h40, em Guarulhos.[ CLIQUE AQUI E LEIA MAIS...]JORNAL DO BRASIL, 10 de setembro de 2008
'Os fora-da-lei fizeram justiça
Augusto NunesO Brasil não é para principiantes, foram consolados por Tom Jobim os amadores interessados em compreender a geléia geral tropical – e justificadamente confusos com a profusão de coisas de que até Deus duvida. Também não é para um profissional qualquer, acrescentaria Tom Jobim se tivesse testemunhado a seqüência de eventos extraordinários que agitou a primeira semana de setembro. O mais espantoso assustou os ainda capazes de assustar-se no dia 3, quando saíram da cadeia de Guarulhos três brasileiros que, sem terem cometido crime nenhum, ali ficaram encarcerados dois anos e meio. O Brasil deu de fazer coisas que nem Deus compreende.
Embora onisciente, como se soube desde sempre, e brasileiro de cantar a segunda parte do Hino Nacional, como se descobriu mais recentemente, Ele talvez fizesse um pedido de vista se lhe coubesse opinar sobre um monumento ao absurdo bem mais intrigante que o mistério da Santíssima Trindade. O drama vivido por Renato Correia de Brito, Wagner Conceição da Silva e William de Brito Silva foi muito mais que um erro judicial. Foi uma prova contundente de que, no Brasil do pré-sal e do PAC, nem sempre existe lógica por trás da loucura.
Coisa de doido, diria um Napoleão de hospício se convidado a comentar o enredo inverossímil, construído sobre papéis trocados, mãos invertidas, parcerias impossíveis e reviravoltas que deixariam atônito um García Márquez. Perseguidos, seqüestrados e torturados por policiais, três inocentes foram transformados em culpados. Recuperaram a confiança nos seres humanos só na prisão, governada por bandidos que lhes garantiram o amparo que faltara quando em liberdade.
Os mocinhos eram bandidos e estavam do lado de fora da prisão, haviam constatado os passageiros do horror. Os bandidos eram mocinhos e estavam no interior da cadeia, surpreenderam-se depois de decretada a prisão preventiva que, limitada por lei a 81 dias, duraria mais de dois anos. Quase 10 mil horas, amputadas da vida de cada um pela ação conjunta da polícia, do delegado e do promotor.
Os agentes da ordem convenceram o juiz de que, em 17 de agosto de 2006, Renato, com a ajuda do primo William e do amigo Wagner, estuprara e matara a ex-namorada Vanessa Batista de Freitas, 22 anos, com quem tinha uma filha. A sentença foi reformada a tempo pelo tribunal montado por ordem do PCC, a maior organização criminosa do país.
Como o código de honra da sigla condena à morte os estupradores, o advogado Augusto Tolentino pediu, em 21 de setembro de 2006, o relaxamento da prisão preventiva. A reivindicação foi negada pelo juiz. Para salvar os inocentes, Tolentino encaminhou aos verdadeiros administradores da prisão a papelada pelo caso. Os magistrados do PCC foram mais equilibrados que o juiz de Guarulhos, mais judiciosos que o promotor e mais clementes que os sherloques. Os companheiros de calvário foram declarados inocentes e autorizados a sobreviver.
Ainda estariam atrás das grades se, neste 29 de agosto, um psicopata de carteirinha não tivesse ressuscitado a verdade enterrada pela Justiça. Em meio ao interrogatório destinado a esclarecer casos parecidos com o da jovem assassinada no matagal, o maníaco sexual Leandro Basílio Rodrigues, 19 anos, decidiu engordar o prontuário com o relato de outros horrores. Espontaneamente, anexou Vanessa à lista de vítimas, descreveu detalhadamente o que ocorrera e fez um lembrete aos inquisidores: "Se tem pessoas presas por isso, são inocentes".
Renato, William e Wagner saíram dois dias depois porque o PCC prometeu destruir os próprios aposentos se a soltura demorasse. Graças aos bandidos, os inocentes não continuaram na multidão dos sem- recurso, formada por 130 mil brasileiros presos preventivamente. Como faltam recursos financeiros, faltam advogados. Como faltam advogados, faltam recursos a instâncias superiores. É o Brasil.