Comentário sobre a notícia em 6 de agôsto de 1945:
O sol estava lindo. Céu azul. Outro verão maravilhoso como aquele só deveria acontecer daqui uns dez anos, pensou a mocinha que se preparava para sair de casa.
Daqui a pouco iria levar seu filho ao médico.
Sentou em frente ao computador, conectou na Internet, e escreveu um email para o seu amor que morava em Nova York. Dentro de pouco de tempo, ele viria busca-la, se casariam, e ela iria morar no Ocidente.
Por enquanto, nada disso podia ser feito porque os seus governos estavam em guerra. Mas tudo iria acabar em breve, porque o seu país não tinha mais como continuar a resistir.
Aquela briga, feita pelos senhores da guerra, era terrível.
Encheu um vasilhame com água, e foi regar o canteiro tomado pelos gerânios que tanto amava. Eram lindos. Seu filho de cinco anos veio atrás, trazendo o cachorro consigo. Abraçou o garoto, e disse:
“Plantas são como a gente filho. Elas sentem a dor como nós. Temos que trata-las bem, para que elas sobrevivam. Veja como estão bonitas e alegres.”
Voltou para o computador, e a resposta à sua mensagem já estava lá.
Simples, clara e otimista.
“Te Amo !!! Breve estarei aí para te pegar.”
Imprimiu, leu para o filho, e respondeu :
“Te Amo também!!!”
O céu continuava azul, lindo.
Foi até a mercearia que ficava na esquina do quarteirão onde morava, e pelo caminho foi cumprimentando alegremente as pessoas. Dentro da loja, uma TV transmitia as últimas notícias.
Autoridades do governo falavam que a situação estava sob controle.
Exortavam o povo à luta e ao trabalho. A felicidade futura dependia do esforço de cada um, dizia um homem com o semblante sério e assustador. Tinha a cara da tragédia.
Entrou na casa do vizinho, pois sempre fazia compras para o casal de idosos que lá morava. Viviam sozinhos, e ela os amava. Eram como se fossem seus pais que já tinham morrido há muito tempo. Beijou-os. Eles sorriam. Tomou um chá com eles.
Entrou em casa, e o filho estava em frente a televisão, vendo um desenho animado. Trouxe a roupa para vesti-lo na sala. Até que o filme não era dos piores.
Estava atrasada. Foi para o computador, olhou a sua caixa postal, mas não tinha mais mensagem nenhuma para ela. Foi até um desses sites de cartão, escolheu um bem bonito, e escreveu para o seu amor:
“A tua Rosa de Hiroshima te ama. Venha depressa”.
Começou a fechar as janelas da pequena casa. Olhou para o céu, e um tremor estranho percorreu o seu corpo. Espantada, correu para abraçar o filho. O menino sorria. Ela o apertou contra o peito, e disse:
“Te Amo”.
Desligou o computador.
O relogio eletrônico na parede marcava 08 :14 :00 do dia 6 de agôsto de 1945.
Deu um copo d’água para o filho e sussurrou:
“Amor, papai disse que dentro de pouco tempo estaremos no paraíso da terra dele, juntinho com ele. OK?”, falou sorrindo alegremente.
Estendeu a mão para o garoto, levando-o para a porta da casa. O cachorro latiu, e foi acariciado pelo seu pequeno dono.
Quando ela abriu a porta e olhou para o céu, percebeu um avião solitário lá no alto, e uma coisa cair de dentro dele. Ficou olhando. Um objeto escuro e veloz cortava o céu.
Apertou com força a mão do filho, e começou a vivenciar, sem o saber, a queda da primeria bomba atômica na Terra.
Dali a pouco os dois seriam transformados em cinzas.
A bomba de quatro mil quilos foi lançada por um avião americano, e iria levar quarenta e tres segundos para detonar. Quando chegou a seiscentos e dezessete metros metros do solo, sobre o centro da cidade, ela explodiu. A temperatura chegou a cinco e meio milhões de graus centígrados. Tudo o que se encontrava a quinhentos metros do epicentro da bomba foi incinerado. Quase ninguém sobreviveu num raio de oitocentos metros. Menos de uma hora depois da explosão, mais de sessenta mil pessoas haviam morrido.
Em toda a cidade, cinquenta mil edifícios ruíram. Mais tarde, durante anos, a radiação continuou matando. Até hoje surgem novas vítimas fatais do "raio-trovão", neologismo criado para descrever o indescritível. Elas já são mais de duzentas mil pessoas.
"Os cientistas conhecerão a vergonha", disse um dos arquitetos da bomba, o físico americano Robert Oppenheimer, que nunca se arrependeu do que fez.
Essa ambigüidade - a mistura de desonra com a falta de arrependimento - é uma marca que paira sobre a ciência e toda a humanidade, dividindo a história em duas partes.
Antes e depois da bomba.
"Bombas são bombas, existem para matar gente", dizem os terroristas oficiais e clandestinos.
Cinquenta e seis anos depois, no dia 11 de setembro de 2001, o amante da Rosa de Hiroshima, foi para a janela do seu escritório no centésimo andar de um dos prédios do World Trade Center, e começou a olhar a bela ilha de Manhattan.
Em cima da sua mesa ele tinha a foto gasta pelo tempo da sua amada e do filho. Estava triste. Olhar fixo no infinito, ele ficou olhando um avião enorme aparecer no céu, voando baixinho, fazer uma curva, e vir em direção ao prédio. Foi até a mesa, e apertou o porta-retrato entre as mãos.
Ele e mais tres mil pessoas morreram na explosão das duas torres. O autor, Wilson Gordon Parker, é escritor. Crônica publicada no Portal Terra em 02 de dezembro de 2001
WILSON GORDON PARKER
wgparker@oi.com.br
Nova Friburgo (RJ)