EM 07 DE JULHO DE 2008, OS BEBÊS CONTINUAM MORRENDO
Foto: entêrro dos bebês em cova rasa no cemitério dos pobres
Comentário sobre a notícia:
Publicado na FOLHA DE SÃO PAULO em 07 de julho de 2008
"Até 03 de julho de 2008 eram 24 bebês mortos, em dez dias, na maior maternidade do Pará. Até 05 de julho jã são 32 bebês mortos. Quando começamos a bisbilhotar a atual história da Saúde Pública no Pará, decobrimos alguns fatos aterradores: 30% dos leitos estão ociosos nos principais hospitais e Casas de Sáude do Estado e os gestores da Saúde reduziram em 35 % o número de procedimentos médicos na rede hospitalar. Resumindo, cortaram gastos nas Casas de Saúde e Hospitais, para colocar o dinheiro público em lugares mais atrativos. E sabem quem toma conta da Saúde Pública no Pará ? O PMDB ! Por força desses acordos politicos que fazem o loteamento do serviço público em troca de apoio incondicional, a governadora Ana julia Carepa, PT, entregou a gestão da Saúde Pública ao PMDB. Coincidência ou não, as mortes dos bebês aumentaram em progressão geométrica. A maioria das familias não comparece aos enterros porque não possuem dinheiro para a condução, nem para as despesas geradas com a morte dos seus filhos. Os que comparecem são obrigados a pagar R$ 12,50 para colocar os pequenos corpos nas covas rasas da área destinadas aos bebês mortos. O Estado não lhes concedeu nenhum tipo de garantia para viver. Morreram deitados num berço público, sem esplendor, nem assistência médica, inocentes, sem raiva, nem rancor. Não tiveram tempo de sentir o carinho da família. Nenhuma das mães trabalhava em alguma promotoria pública. Nenhum dos pais era político em Brasília. Gente humilde. São todos bebês mortos a sangue frio, sem chance de defesa. Não devem ter chorado. Alguns de nós iremos chorar por eles. Enquanto isto, a secretária de Saúde, Laura Rossetti, avisa a todos que as mortes estão dentro do aceitável. É inacreditável que servidores públicos tenham a desfaçatez de fazer declarações tão absurdas e desumanas como estas."
Wilson Gordon Parker
wgparker@oi.com.br
Nova Friburgo - RJ
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ESTADO DE SÃO PAULO, 6 julho de 2008
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O Portal de Notícias da Globo
JORNAL NACIONAL
05/07/08 - 21h10 - Atualizado em 05/07/08 - 21h51
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O LIBERAL, Belém, PA
Edição de 06/07/2008
Editorial
Por trás da carnificina
A exposição do Pará em rede nacional como berço da tragédia anunciada na Santa Casa - onde os bebês morrem em profusão diante de um governo patético e uma população estupefata - abre um leque de dúvidas, mas impõe uma certeza.
No território das interrogações, calcado pelo discurso nebuloso e movediço do governo, estão questionamentos óbvios. Por que patina no lodo da inércia um setor que tem dinheiro garantido por lei para manter-se firme e forte? Por que um Estado com extensa rede instalada de atendimento não transborda em eficiência em vez de sucumbir na incompetência? Por que um hospital premiado, que num passado remoto reluziu como referência do País na atenção à maternidade, habita hoje a mais lúgubre das sombras no cenário nacional da saúde? Por que os gestores da saúde, diante do mal feito, não se comovem, apenas disfarçam um distanciamento cínico? Por quê?
No terreno da certeza, a verdade dói de tão exposta. Como uma fratura aberta na transparência de mentirinha que permeia o discurso oficial - tantas quantas forem as explicações desditosas para a carnificina que se impôs na Santa Casa, sem misericórdia.
Por trás das mortes dos recém-nascidos está um acordo espúrio entre bem vividos. Um pacto que, em vez de razões, sacia vontades criminosas. A aliança entre o PT e o PMDB, que deu vigor à estrela petista para instalar-se no Palácio dos Despachos, sacrificou a essência do próprio governo, que é a preservação do bem público, a prestação do bom serviço. Entre os quais, a gestão da saúde - assim como a da educação e a da segurança - deve ser pedra de toque, primordial, fundamental.
Ao PMDB, um partido siderado pelo poder e que dispensa apresentações, coube na fatia do bolo estadual de recursos e responsabilidades, entre outros quinhões, justamente o da Saúde. Apropriaram-se os pemedebistas, com fúria e gula, lépidos e faceiros, dos recursos fartos. Mas esqueceram-se das obrigações. Sem preocupar-se, sequer, com a sutileza. Ou será que existe suavidade no infanticídio?
A brutalidade na gestão da Saúde, que ora conduz a mortes prematuras, despedaça a mais nobre das intenções. Transforma em migalhas, a serem distribuídas ao séquito barbalhista, o recurso público destinado à manutenção de uma rede eficiente de saúde. Em apenas um ano, o Estado, sob a nódoa do PMDB, deixou de investir R$ 1 milhão por mês em recursos próprios no setor de saúde, sem que o volume total de recursos tenha diminuído, muito pelo contrário. E onde foi parar esse dinheiro?
Nesse mesmo período, a batuta pemedebista regeu o espetáculo do fracasso, em que a Santa Casa é apenas o solo mais estrepitoso. Impõs a marcha do favorecimento, que só encanta a quem os próprios males espanta, deixando de lado a obrigação de servir a todos, missão de quem zela pela saúde desde os tempos de Hipócrates.
Flagrados com a boca na botija, os donos do partido tocam o trombone com sofismas e escárnio, impiedosos como são. Ou não é uma burla, uma zombaria, uma farsa o argumento de que tudo está na santa paz quando as crianças estão morrendo em proporção geométrica à estultice do PMDB?
É muito sábio o ditado que prenuncia o cuidado que se deve ter com as pérolas, para não misturá-las ao farelo com que se satisfazem os porcos.
O PT não foi atento o bastante para saber disso. Tornou-se ao mesmo tempo refém e presa fácil de sua própria sede e da aguda fome de poder do seu parceiro. Paga o preço alto da insensatez, porque desperdiçou as lições do passado para acolher-se, no presente, no colo errado, acreditando que a mão que o afaga não vai apedrejá-lo em 2010.
Como é perversa a realidade dos fatos.
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O LIBERAL, Belém, PA
Edição de 07/07/2008
A morte nossa de todos os dias
Edição de 07/07/2008
Paula Sampaio*
Naquela terça-feira, 24 de junho, no cemitério do Tapanã, periferia de Belém, algumas famílias esperavam desde cedo por seus mortos. Recém-nascidos, que haviam falecido na Santa Casa de Misericórdia do Estado, no final de semana. Nove, treze? Afinal, quantos foram ao todo?
A notícia 'vazou' para a imprensa na noite da segunda-feira. O Jornal da Globo deu manchete... Aí, pronto, estava feito o escândalo. Indagada sobre aquele alto índice de mortalidade na única UTI neonatal pública do Estado, a Secretária de Saúde, Laura Rosseti, disse em entrevista à TV: 'Essa taxa de mortalidade é normal, está dentro das estatísticas aceitáveis.'
Enquanto isso, no cemitério, naquela manhã, o movimento era intenso: cinco enterros em menos de uma hora. Cerimônias rápidas e com pouco choro. Aos poucos a imprensa foi chegando, curiosos vinham perguntar o que estava acontecendo. Todos esperavam pela chegada dos corpos dos bebês. Mas o carro com as crianças não chegava. Quase 11 horas da manhã, e as famílias começavam a se impacientar. Um dos porteiros do cemitério comentou ser costume a Santa Casa oferecer o transporte, a cova no 'cemitério dos pobres', como é conhecido o do Tapanã, além da 'embalagem' para os mortos das famílias carentes.
Num dos bancos de cimento do lugar, um jovem chorava copiosamente e enxugava as lágrimas numa fralda, cercado pela família. Perdeu seu primeiro filho. Sua companheira deu à luz na Santa Casa: o parto foi feito por uma tia que a acompanhava, porque nenhum médico apareceu para prestar-lhe o socorro na hora. A criança não resistiu. O pequeno Nicolau, ia ser esse o nome dele, morreu.
Do outro lado do grande salão aberto onde os caixões são recepcionados, mais uma família. O pai de outro dos bebês mortos pergunta para a repórter: 'Será que ainda vai demorar? Sabe, eu tô aqui desde cedo. Tenho plantão no serviço, preciso trabalhar, não posso ficar aqui o dia todo.'
Sabe-se, pouco depois, que o carro disponibilizado pela instituição para levar os corpos havia quebrado no caminho. Mais espera, mais dor, desrespeito, exaustão.
Quase ao meio-dia, sol escaldante chega a Kombi branca e enferrujada, com os bebês amontoados em caixas de madeira. Silêncio. O carro estaciona na entrada do salão dos mortos. Dois funcionários descem e abrem as portas. As pequenas caixas e três 'caixõezinhos de anjo' são retirados rapidamente e dispostos, lado a lado, em um canto do salão. Na tampa de cada um deles a identificação: um número e o nome da mãe. E as crianças não têm nome? Não, só Nicolau, o filho daquele jovem que chorava muito, desde o início.
As famílias se aproximam lentamente. Um funcionário grita: 'Essa caixa, não! Tira isso daí, é só uma perna!' Perna? Sim, um pedaço de perna encaixotado para descarte. Na tampa da caixa está escrito: 'PERNA', assim, em letras graúdas. Será que o hospital aproveita a ida ao cemitério para se livrar de pedaços humanos que não podem ser levados para o lixo hospitalar?
Um dos parentes dos bebês retira da sacola um martelo e começa a abrir uma das caixas, com a perícia de quem já fez isso muitas vezes. Surge um embrulho. Sim, um pacote branco, que vai sendo aberto lentamente pelo homem do martelo. Um rostinho aparece, como uma flor, emoldurado pelo papel branco com o qual fora embalado. O homem olha, respira fundo... Logo outras pessoas lhe pedem o martelo emprestado e, aos poucos, as caixinhas começam a ser abertas, uma a uma. Um jardim de pequeninos rostos inertes povoa o grande salão dos mortos. Todos, como em uma orquestra, começam a enfeitar seus filhos com flores azuis, algumas brancas, tudo igual.
Um burburinho toma conta do lugar. Outro pai abre uma caixa maior e deixa à mostra dois bebês siameses nus. Curiosos se aproximam. Um dos funcionários do cemitério tenta afastar as pessoas, mas o pai das crianças esbraveja: 'Nada disso! Deixa eles verem, são meus filhos, meus! Eu faço o que quiser com eles. Pode olhar, gente, pode olhar. Vocês, da imprensa, podem gravar, podem gravar'. Enquanto isso, ele mesmo toma uma certa distância dos corpos e fotografa os filhos com seu celular.
Em seguida, todas as caixas são reunidas em um carro de mão. Um funcionário grita: 'Vamos, gente, vamos. Todo mundo já achou o seu? Então, vamos logo, temos que enterrar'. E toma a frente, empurrando o carro com as caixas de bebês empilhadas.
O cortejo segue pela alameda principal do cemitério. Depois de uns 15 minutos andando sob o sol escaldante, chega-se ao local onde as covas rasas já estão abertas. Uma grande fileira de buracos. Apressados, os coveiros vão retirando as caixas do carro de mão e colocando-as nos buracos, em seqüência: número 1, 2, 3... Epa! Alguém alerta: 'Calma, calma, esse não é o 4 é o 5, é o meu filho!'
O pai de Nicolau, meio afastado de tudo, olha perdido para a fileira de covas, não pode esquecer o rosto do filho morto, a quem viu, pela primeira vez, minutos atrás. O homem do martelo se aproxima devagar, coloca-se ao lado dele, num gesto mudo de solidariedade. Ficam em silêncio.
Uma nuvem imensa faz sombra no Tapanã, alívio para o calor infernal. Um cidadão sai falando alto: 'Aquela Santa Casa? Aquilo, sim, é um cemitério, um inferno, um cemitério, gente!'. E vai embora.
As famílias começam a se dispersar lentamente. No descampado do 'cemitério dos pobres' ficam as novas cruzes, algumas flores de plástico e um sentimento estranho, fruto dessa precária condição humana.
No dia 28, sábado, a Santa Casa de Misericórdia do Pará admite a morte de mais oito bebês. Foram 20 em sete dias? É isso mesmo? Reconhece também as péssimas condições de atendimento e o déficit de quase 70 médicos. A clientela do hospital é formada pelos 'excluídos socialmente'. Gente pobre, meninas que engravidam e não têm nenhum acompanhamento médico, mulheres com saúde frágil em função das limitadas condições de vida: miséria gerando mais miséria e morte. No jornal O Liberal de 29 de junho, domingo, há um histórico da Santa Casa, criada em 1650, onde glória e decadência se alternam. Lá nasceram personalidades da história do Pará: Almir Gabriel, ex-governador do Estado, a cantora Fafá de Belém... Parece que a própria Laura Rossetti, atual Secretária de Saúde do Estado, também nasceu lá. Eles sobreviveram, Nicolau, não. Ele e mais 19 pequenos seres, pobres, parecem não ter nascido para fazer história, são apenas 'estatística', números cravados em caixas de madeira e nas planilhas da burocracia.
Segunda-feira, 30 de junho, uma semana depois das primeiras mortes anunciadas, os jornais estampam a notícia da morte de mais dois bebês gêmeos e uma foto grotesca de uma câmara frigorífica com 14 pequenos corpos. Na mesma matéria, o Governo do Estado informa que já foi nomeada uma comissão de intervenção na Santa Casa, o diretor foi afastado e o Governo Federal já mandou auditores. Pronto! Foi instalada uma CPI. E agora?
O certo é que por enquanto, o movimento deve continuar a ser grande no cemitério do Tapanã, para onde vai todo mundo que não tem chance de construir sua própria história, o cemitério dos pobres, como dizem. E esta vai continuar sendo a morte nossa de todos os dias. Um jardim de perdas, cultivado em covas rasas. Nada mais.
Paula Sampaio é Fotógrafa
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