CATADOR DE LATAS NOS TEMPOS MODERNOS
VIDEO:Sim, também a parte social, vista pelos olhos do cameraman. Enquanto a turma se divertia, os catadores, recolhiam latas, recicláveis, para sua subsistência. Nestes tempos modernos o carnaval não é pra todos.
Publicado no JORNAL DO BRASIL em 04 de março de 2008
Comentário sobre a crônica de Maria Lucia Dahl, "Os tempos modernos"
O que a maravilhosa Maria Lucia Dahl nos conta em sua crônica nada mais é do que a nova ordem social dos tempos modernos. Aliás, isso já vem acontecendo há muitos anos. São as camadas sociais trocando de posição, se nivelando, num movimento que passa despercebido aos escravos da objetividade.
Ao longo dos anos, nem todos conseguiram perceber uma coisa óbvia que vem acontecendo na sociedade: a socialização por baixo. Ninguém consegue ficar mais rico adquirindo cultura ou trabalhando honestamente.
A grande pergunta que a juventude faz é: como se fica rico aqui no Brasil?
É só fazer uma rápida pesquisa na internet, e procurar no site da Wikipédia, que é uma enciclopédia livre, o seguinte assunto: lista de escândalos políticos no Brasil. Vamos tomar conhecimento de todas as grandes roubalheiras desde 1970.
Neste site vamos poder confirmar que todos os ladrões do dinheiro público estão livres, ou morreram gastando muito bem as fortunas roubadas.
A grosso modo, o que estou tentando dizer é que os honestos aqui no Brasil vão todos acabar catando as latinhas que sobram das festas dos que ainda podem comprar latinhas.
E é bom catar logo, porque a cada dia que passa irá diminuir o número de festas, e, consequentemente, o de latinhas.
Resumindo, se você não pretende entrar para a política partidária porque é honesto de carteirinha, estudou muito e não sabe o que fazer com os seus conhecimentos, aconselho logo a procurar um quarteirão com um lixo rico em latinhas.
De qualquer forma, fique atento, porque é quase certo que meses antes da eleição de 2010 seja criado o "bolsa-latinha".
WILSON GORDON PARKER
wgparker@oi.com.br
Nova Friburgo (RJ)
JORNAL DO BRASIL 03 de março de 2008
Os tempos modernos
Maria Lucia Dahl
Ontem encontrei um casal, irmã e irmão, este último, gay, negros e sujos, catando latinhas nos lixos. Como estivessem perto da minha casa, onde um dia antes meus jovens vizinhos tinham dado uma festa de arromba, imaginei que o lixo reciclável deles estivesse tinindo de latas de cerveja e refrigerante. Convidei os catadores espontâneos para virem até o meu portão, para que eu lhes entregasse o tesouro. Enquanto fomos andando, a moça, pequenininha como a Daiane, com um bustiê e saia abaixo do umbigo, me perguntou, de repente:
- Você conhece Zurique?
Estava distraída e, diante de indagação tão inesperada, vinda da parte da moça que recolhia latas, me atrapalhei e perguntei:
- Se eu conheço a Alemanha?
- Não - corrigiu a moça. - Zurique é na Suíça.
- Conheço - afirmei.
- Você gosta de lá? - quis saber ela.
- Não especialmente, mas gosto da Suíça.
- Eu detesto - decretou ela.
Cada vez mais surpresa com o inusitado da conversação, perguntei se ela havia estado lá, ao que a moça respondeu que sim. Concluí então que, assim como outras mulheres, ela teria ido para a Europa se prostituir, e quis saber:
- Você teve problemas com o visto?
- Não - respondeu ela. - Fui eu que quis voltar. Não tive problema nenhum com a papelada, mas não gostei daquele lugar gelado, onde ninguém toma banho e ainda por cima bebem uísque no café da manhã.
Achei então que ela preferia catar latinhas no lixo, no que não lhe tiro a razão. Além das latinhas, lhe dei uns trocados e ela se foi com seu irmão, desejando que eu ficasse com Deus.
Então passou um travesti conhecido aqui da rua, de saia comprida, salto alto, colar e brincos, e me perguntou, com uma voz de barítono, se eu sabia onde se podia comer um cachorro-quente ali perto. Meu neto me perguntou por que aquela mulher falava tão grosso... Respondi que não era mulher, mas um homem que gosta de se vestir como uma. Meu neto ficou encucado, na certa, se perguntando por quê.
As coisas estão ficando engraçadas... A mendiga fala de Zurique como se fosse de um subúrbio carioca; minha empregada vem trabalhar de carro, enquanto eu continuo sem, desde que roubaram o meu; meu amigo pega ônibus na frente do Country, enquanto os garçons passam de automóvel dando adeus. Ligo a televisão à noite e só encontro casais gays. Romeu e Julieta não existem mais ou não freqüentam os Telecines. O que vejo são Romeus com Romeus e Julietas com Julietas e até um pobre rapaz que descobre que a mãe não é mãe, mas pai, pois, assim como o travesti que passou por mim e meu neto, sua mãe era um homem operado.
Meu pedreiro largou o trabalho no meio para fazer samba no botequim porque andou meio nervoso com o fim dos antidepressivos, "e para curar a angústia, só mesmo o samba", que ele compõe e me pede para levar para a Ana Maria Braga, enquanto o emboço da minha parede cai.
Um ladrão foge pelos telhados das casas da minha rua e imediatamente causa um tiroteio entre os moradores, que atiram para cima enquanto o homem, desarmado, pede socorro.
Elogio a reforma de uma casa antiga ao lado do veterinário dos meus gatos e o dono me diz que foi obrigado a obedecer ao tombamento estabelecido por lei, mas que achava horrível.
- Lá dentro derrubei tudo e a casa parece uma limousine reluzente, mas, por fora, um Ford Bigode...
Fico pensando que tudo estaria perfeito. Um mundo rico, onde os empregados têm carro e onde o preconceito não existe mais. Tudo o que desejávamos quando virávamos a mesa nos anos 60. Só acho um pouco estranha essa inversão radical dos costumes. Será que não dá para todo mundo se dar bem? Todo mundo ter carro? Pedreiro fazer samba, Romeu casar com Romeu, mas também com Julieta?
[ 03/03/2008 ]
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