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segunda-feira, 19 de novembro de 2007

JB - 2 - Quem vale mais: o homem ou o camundongo ?

Comentário sobre a noticia :

Depois de ler a reportagem, aqui no JB, - A trágica marca do desperdício -, que nos conta a desorganização do sistema de saúde do Rio, com relação a doação e transplante de orgãos, eu já estou capacitado para responder a pergunta que o leitor GERALDO SIFFERT JUNIOR, médico (Rio de Janeiro, RJ) fez no Painel do Leitor online da FSP, em 19 de novembro, qual seja : Afinal, quem vale mais, o homem ou o camundongo?". No Rio de Janeiro, com toda a certeza, é o camundongo.

WILSON GORDON PARKER
wgparker@oi.com.br
Nova Friburgo (RJ)


JB - Segunda-feira, 19 novembro de 2007

RIO

A trágica marca do desperdício Duilo Victor

Enquanto o Estado financia uma das maiores campanhas de incentivo à doação de órgãos já realizada, a desorganização do sistema de saúde do Rio obriga, por muitas vezes, um médico a fazer a seguinte escolha: salvar um paciente recém-chegado da emergência ou ocupar uma UTI com outro que morreu, mas pode dar sobrevida aos que estão na fila do transplante. No primeiro semestre deste ano, os hospitais do Estado comunicaram à Central Estadual de Transplantes 251 casos de morte cerebral - definição primordial para que as doações sejam efetivadas - mas estimativa da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos e Tecidos (ABTO) revela que o mesmo número de casos de morte tenha passado pelos hospitais sem que a central tomasse conhecimento. Ou seja, outras 250 chances de diminuir a fila foram abortadas sem que o Estado sequer soubesse.

O desperdício é chamado por especialistas de subnotificação de mortes encefálicas. De acordo com a presidente da ABTO, Maria Cristina Ribeiro de Castro, as estatísticas de subnotificação no Rio assemelham-se à média nacional. Crises na política de transplantes do Rio, que levaram até o fechamento do banco de córneas do Estado por mais de um ano até julho, só fizeram aumentar a fila de pacientes. No caso das córneas, a lista de espera pulou de 1.340, em 2003, para 3.238 pacientes até agosto deste ano - aumento de 242% em três anos e meio. As filas para coração, fígado, pulmão e rim também cresceram nesta década. Na contramão, o desempenho do Estado em número de doadores está aquém de Estados vizinhos e da média nacional. No primeiro semestre deste ano, a cada milhão de habitantes houve 5,1 doadores de órgãos e tecidos no Rio. A média nacional foi de 5,4 por milhão. Em São Paulo, o número chegou a 8,3 e o recordista nacional, Santa Catarina, teve 14,7 doadores:
- Prontos socorros lotados, falta de leitos e de neurologistas são grandes vilões - descreve a presidente da ABTO. - Se o médico tem só uma vaga de UTI e está ocupada por um paciente com morte encefálica, é natural investir no doente que chega e tem chance de sobreviver.

A campanha do governo estadual, que celebrou ontem o dia estadual de incentivo à doação de órgãos, tenta transpor outro obstáculo: as famílias que não permitem a doação pelo parente em morte encefálica. A autorização é indispensável por lei para que a retirada de tecidos ocorra. No Rio, 36,3% das famílias consultadas quando o parente está em morte cerebral negaram a doação. Segundo a ABTO, está próximo à média nacional, entre 30% e 35%, mas Maria Cristina diz que os parentes não podem levar a culpa:

- Em Santa Catarina, por exemplo, a negativa familiar é até maior, mas existe uma identificação de possíveis doadores bem maiores. A cultura de doação de órgãos entre os médicos precisa ser incentivada, como na Espanha, onde o número de doadores chega a 40 por milhão. Nas escolas de medicina, falta uma cadeira que trate de transplante.
Renato Gomes, diretor da Aliança pela Doação de Órgãos e Tecidos (Adote), concorda que a subnotificação é um vilão tão ou mais importante que a negativa familiar.
- Entre a morte encefálica e os exames que ratificam o laudo leva, no mínimo, seis horas. O corpo deve ser mantido em temperatura e com batimento cardíaco até a retirada dos órgãos, o que requer recursos do hospital. Muitas vezes, na hora de justificar a perda do doador, diz-se que foi negativa familiar ou parada cardíaca, o que esconde a falta de estrutura do hospital.

Segundo a Adote, dos 310 pacientes com morte encefálica que não se transformaram em doadores, até setembro, 99 foram justificadas por parada cardíaca.

[ 19/11/2007 ] 02:01

Problemas para detectar os doadores

Além das campanhas para aumentar a doação, o governo do Estado tenta combater a fila do transplante com uma brigada de especialistas que vai atuar em 83 hospitais das três esferas de governo para reduzir os casos de subnotificação da morte encefálica. O grupo é formado por médico, enfermeiro, assistente social e psicólogo e vai atuar dar consultoria técnica às comissões intra-hospitalares nos hospitais com mais de 80 leitos para notificar as centrais de transplante.

A principal queixa de especialistas é de que, em muitos casos, as comissões só são preenchidas para cumprir a lei. Muitas vezes os profissionais, não necessariamente ligados à neurologia - fundamental para dar o laudo de morte encefálica - não têm tempo para se dedicar à função na comissão.

- Os integrantes não são remunerados e nem podem se dedicar em tempo integral, já que realizam outras funções no hospital - explica o diretor da Adote, Renato Gomes.
As mortes cerebrais ocorrem principalmente em casos de traumatismo craniano - geralmente em acidentes de carro ou ferimentos por arma de fogo - e derrame cerebral. Ao contrário do que que se pensa, desde 22 de dezembro de 2000 a expressão não doador de órgãos e tecidos, que poderiam estar nas carteiras de identidade, não tem mais valor. Conforme incentiva a campanha estadual, vale apenas o consentimento familiar quando se comunica a morte cerebral. Por isso, o debate em família sobre a doação de órgãos é fundamental.

[ 19/11/2007 ] 02:01

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